quinta-feira, 5 de novembro de 2015

O Desprezo (Jean-Luc Godard, 1963)


Se há um sentimento que O Desprezo provoca é algo semelhante à tristeza da hora de uma separação. Como os amigos que se despedem no saguão do aeroporto ou o amante que fecha a porta para voltar ao mundo real. O filme em si, se correspondesse de fato a algum desses episódios que alguém pode viver, seria a reprodução em uma hora e quarenta minutos daquele instante em que as pessoas têm de soltar as mãos para irem embora, mas seus dedos permanecem atados.

No contexto do filme, essa “separação” (rompimento) dá-se basicamente em dois níveis: primeiro, o casal (Bardot e Picolli) repentinamente se vê afastado; segundo, 63 foi um ano de inflexão para o cinema: os estúdios da era clássica assistiam às suas derrocadas advindas desde meados dos anos 50, e o cinema moderno afirmava seus novos meios de produção e sua logística de funcionamento.

Há vários sinais que compartilham essa sensação de que algo grande se desmancha: a Cinecittà fantasma, as imposições do produtor (Jack Palance) aos planos criativos do diretor (Fritz Lang), a presença constante da tradutora (Giorgia Moll) que, para que as pessoas se comuniquem, modifica os significados originais das frases logo após elas serem enunciadas e, por fim, o súbito desprazer que o casal sente mutuamente.

Diante disso tudo, podemos cogitar como causa da aflição sentida no filme, e possivelmente por Godard, a seguinte questão: e se tudo aquilo que amamos (cinema, trabalho, carros, a língua, Bardot) for frágil como a paixão de um homem e uma mulher? A sua resposta é reativa: filma-se da forma mais nua possível, sob um sol que se abre sobre os gestos memoráveis dos atores, convertendo-os quase em esculturas, como os heróis dos filmes do diretor homenageado em cena, Fritz Lang.

Afinal, se é isso que se constata (a possibilidade das coisas serem efêmeras), é contra esse fluxo que um cineasta deve lutar. O Desprezo não fala de outra coisa senão da necessidade de capturar, de haver representação enquanto é tempo, mesmo que no horizonte só se vislumbre o ocaso. No final, o ator que interpreta Ulisses olha para o horizonte, em busca de uma Ítaca que sequer está lá: se por acaso tudo sumir, haverá este filme-monumento, testemunho da câmera sobre a transitoriedade da História.

(Publicado em Foco - Revista de Cinema, Julho, 2012)

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