quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Bravos Guerreiros (John Milius, 1997)


Da prisão, eu trouxe 800 desenhos e 100 roteiros. Eu saí da prisão como outras pessoas saem de Oxford.

Sergei Paradjanov

O anúncio da guerra percorre os vários estratos da sociedade americana e chega à mansão de uma família aristocrática, onde um pai tenta convencer o filho a desistir de ir ao campo de combate. Este lhe responde: “Consegue entender que eu temo mais morrer como um menino rico na sua cama do que nunca saber o que é a fome, o ódio, a dor? Nunca saber o que é a honra ou a coragem? Maldito seja. Eu mereço saber”.

Bravos Guerreiros nos fala do sentimento de onipotência da juventude, da ambição de conquistar o mundo até o ponto onde se percebe que ele não está para brincadeiras. Chegará o momento em que o que se tem a fazer é revirar as fotografias que restaram - como no começo do filme faz um senhor, ex-combatente - e espantar-se: “Meu Deus! Como éramos jovens!”. Uma trama de lembranças começa a se desenrolar.

Assim como a montagem de fotografias dos créditos puxam o novelo da memória, a própria visão de um filme me parece o momento em que os sentimentos que foram comprimidos ao longo da duração do seu material adquirem a sua real dimensão. Astruc escreveu sobre a possibilidade de um espectador ver filmes como quem consulta um arquivo à procura de “críticas literárias, romances, ensaios da matemática, história, variedades”. Para ele, a expressão do pensamento é o problema fundamental do cinema.

Seria possível que víssemos filmes com o intuito de revisitar sentimentos que vivemos, como os de estar apaixonado, ter filhos, visitar o Grand Canyon ou ter oitenta anos? O que é ter dez anos? Serge Daney responderia: O Tesouro do Barba Rubra. O que é sair da casa dos pais rumo ao desconhecido? A resposta poderia ser: Bravos Guerreiros, filme cuja energia é própria do atrito entre o homem e o mundo.

Antes de entregarem-se à batalha, os voluntários passam por treinamentos. Grupo heterogêneo, entre eles há ladrões de diligências, jogadores de polo, índios Sioux (“que mataram o General Custer”), mexicanos e também o general Teddy Roosevelt, responsável pela articulação da guerra a qual se pode dizer que ele inventou para aprender a ser presidente, como há quem saia formado de uma prisão soviética ou de uma grande universidade.

As mudanças pelas quais Roosevelt passa durante o filme são paradigmáticas. No começo, ele é como uma criança excitada por ver de perto um campo de combate, tem um ar ingênuo, manda fazer roupas novas. O filme causa um estranhamento, parece como que “fora do tempo”, e em certa medida pela presença de Roosevelt: nos campos de batalha contemporâneos (isso também serve para a arte) a sua excitação, seu espírito pouco afeito à sobriedade burocrática, seria sem dúvida a primeira das vítimas.

Mais tarde, Roosevelt presenciará a morte de um soldado. A violência desse momento é como um golpe de cinzel na sua alma; faz com que ele silencie e se afaste com os ombros caídos. Milius o filma de costas, vemos as suas mãos indo ao rosto, ouvimos o que parece ser um choro silencioso, contido. Neste épico de formação, Teddy Roosevelt está para Milius como Lincoln esteve para John Ford.

Como no filme de 1939, a aventura se encerra (ou começa) no alto de uma montanha. Ford filmou Henry Fonda trajando a famosa cartola do presidente americano marchando rumo à História após sair de um pequeno vilarejo americano. Milius filma um futuro presidente cercado igualmente pelos homens simples cujos sacrifícios o impulsionaram a crescer. A icônica fotografia tirada nessa cena faz par com a efígie de Lincoln. Depois dela, esses filhos pródigos, enfim, retornam às suas casas, como homens.

(Publicado em Foco - Revista de Cinema, Agosto, 2013)

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