domingo, 29 de novembro de 2015

"It’s such a grey day"


Mike (DeNiro) retorna para casa após a guerra. A certa altura decide voltar ao Vietnã na tentativa de resgatar Nick (Walken), que permaneceu por lá como jogador de roleta-russa. Sim, ele crê que Nick sobreviveu durante esse tempo a consecutivas sessões do jogo assassino, apesar de isso ser mais do que improvável.

No Vietnã, Mike o encontra, e se depara com o que já estava anunciado, mas que ele não quisera ou não pudera acreditar: que há um corpo, que esse corpo tem a aparência de seu amigo, mas que aquele é um corpo esvaziado de tudo que o constituía como um homem. O que ele vê movimentando-se é uma sombra, um fantasma.

Quem sabe no fundo ainda havia algum resquício de memória; quem sabe se não veio mesmo à cabeça de Nick, no último momento, as árvores da Pensilvânia, assim como um galho quebrado lembrou o irmão em O Intendente Sansho de sua vida antes da escravidão, ou como versos de Dante fizeram o Primo Lévi pensar em humanidade mesmo dentro de um campo de concentração nazista.

O fato é que as regras da roleta-russa são cruéis demais no modo como esgotam as probabilidades para que a viagem de Mike não estivesse fadada ao fracasso. Foi preciso que ele fizesse a travessia por uma Saigon em chamas, passando pelo próprio rio Styx em direção a Hades, para, enfim, ter o corpo do amigo em seus braços.

Em O Franco-Atirador constantemente transitamos entre o concreto e o abstrato. Assim como o motivo da roleta-russa concentra a violência da espera e a iminência da morte numa guerra, aqui, o intervalo até o reencontro coincide com o tempo que um homem levou numa jornada mental em busca de superar a negação e confrontar seus medos.

Junto com ele, o próprio filme se conduz por esse trajeto enquanto reflexão sobre o estado do país. Quando, depois do enterro de Nick, os amigos se reúnem e há entre eles um silêncio brutal, quem o rompe, sintomaticamente, é a personagem que permanecera por muito tempo sem falar. “It’s such a grey day”, ela diz, palavras que não aliviam a dor, mas que talvez permitam aos outros começar a encarar seus traumas de frente.

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