quinta-feira, 8 de março de 2018


MARLENE

Quando Marlene entrou em coma,
tudo na casa adoeceu.

Quando Marlene entrou em coma,
tudo na casa adoeceu.
Os sintomas, pela cozinha,
começavam: gordura podre
cobrindo os pratos e o balcão.

começavam: gordura podre
cobrindo os pratos e o balcão,
xícaras sujas e vazias
de café, formigas em festa
faziam piquenique sobre o açúcar.

de café, formigas em festa
faziam piquenique sobre o açúcar.
No mais, toda a casa fedia,
como ferida gangrenada,
infectando quarto por quarto.

como ferida gangrenada,
infectando quarto por quarto.
Nos jarros da sala, as flores,
cabeças pendidas, seriam
corpos de bebês enforcados.

cabeças pendidas, seriam
corpos de bebês enforcados.
Mas, lá, nas fotos das paredes,
nada mudou, como se os mortos
não tivessem nada com isso.

nada mudou, como se os mortos
não tivessem nada com isso.
Doente, também, o terraço:
folhas secas, sacos de plástico,
levados por ventos da rua.

folhas secas, sacos de plástico,
levados por ventos da rua.
Ceifou, o coma de Marlene,
até as plantas mais longevas
do mirradíssimo jardim.

até as plantas mais longevas
do mirradíssimo jardim.
Marlene nasceu nessa casa,
sobrevivendo a pais e irmãos,
hoje, talvez, parta sozinha.

sobrevivendo a pais e irmãos,
hoje, talvez, parta sozinha.
Com seus pianíssimos dedos
tocava Mozart: mesmo enferma,
o Banco levou-lhe o piano.

tocava Mozart: mesmo enferma,
o Banco levou-lhe o piano.
Caso desperte de seu coma,
Marlene vai querer saber
quem destruiu sua casa.

Marlene vai querer saber
quem destruiu sua casa.

– Alberto da Cunha Melo


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